Prometer “alto padrão” é assumir responsabilidade legal
- Amanda Huppes
- há 22 horas
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"Quando um empreendimento é anunciado como de “alto padrão”, espera-se que os elementos técnicos e materiais estejam de acordo com essa promessa. Caso contrário, configura-se uma divergência objetiva entre o que foi ofertado e o que foi entregue.”
Nos contratos e ofertas publicitárias, palavras têm peso e conceituação. O uso da expressão “alto padrão” para descrever um empreendimento não é apenas um recurso de marketing. Trata-se de um compromisso técnico, com respaldo normativo e implicações jurídicas relevantes.
O art. 53 da Lei 4.591/1964, que regula as incorporações, exige que a ABNT estabeleça normas para classificar cada edifício como baixo, normal ou alto padrão, considerando acabamento, qualidade dos materiais, número de elevadores e itens de conforto. Na prática, a própria ABNT fornece memorial‐modelo e o CUSTO UNITÁRIO BÁSICO (CUB) varia justamente conforme essa gradação.

Quando um empreendimento é anunciado como de “alto padrão”, espera-se que os elementos técnicos e materiais estejam de acordo com essa promessa. Caso contrário, configura-se uma divergência objetiva entre o que foi ofertado e o que foi entregue.
Essa divergência não é irrelevante.
Pelo Código de Defesa do Consumidor, toda informação suficientemente precisa divulgada em anúncios integra o contrato e obriga o fornecedor: promessas como “fachada de vidro com conforto térmico” ou “conforto acústico superior” geram obrigações concretas e podem, se descumpridas, levar à condenação da incorporadora e/ou construtora.
Se o bem entregue não corresponder, o comprador pode:
exigir o cumprimento forçado da promessa (art. 35-I);
rescindir o contrato e reaver valores;
ou pleitear abatimento do preço e indenização.
Tribunais aplicam esses dispositivos a anúncios imobiliários que prometem sofisticação e entregam algo comum, reconhecendo a propaganda enganosa do art. 37 §1º CDC:
[...] 4 .A jurisprudência deste E. TJDFT é pacífica no sentido de que, se comprovado que a publicidade veiculada induziu o consumidor a erro, imputa-se ao fornecedor a culpa pela rescisão contratual, facultando-se ao consumidor optar pela imediata restituição das quantias pagas no contrato, conforme dispõe o CDC, sobretudo quando os vícios diminuem o valor do imóvel adquirido, pela menor sofisticação, qualidade e elegância, em comparação com o que foi anunciado. 5. Tendo em vista que a rescisão do contrato se deu por culpa da vendedora/construtora, não há que se falar em retenção das arras ou de qualquer percentual dos valores já pagos pela consumidora, ou seja, a devolução dos valores deve ser integral, sem qualquer abatimento [...].
(TJ-DF 20170310010325 DF 0001016-18 .2017.8.07.0003, Relator.: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, Data de Julgamento: 21/02/2018, 5ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 07/03/2018 . Pág.: 255/262)
Risco | Onde nasce | Impacto |
Cumprimento forçado da oferta | Art. 35 CDC | Obriga a executar upgrades (ex.: trocar esquadrias, refazer fachada) |
Devolução de preço / rescisão | Art. 35 § único + jurisprudência | Perda de receita e custos de distrato |
Danos materiais e morais | Arts. 12, 14 CDC | Indenizações por perda de valor e abalo à confiança |
Multas administrativas | Procon / Senacon | Até 3 % do faturamento |
Reputação no mercado técnico | Redes sociais, portais de avaliação | Afeta novos contratos e parcerias |
Tenho visto, até mesmo, muitas médias empreiteiras "entrarem na onda" do alto padrão, sem uma clareza do que isso efetivamente representa.
Além da responsabilidade pela oferta, os profissionais da área técnica também assumem obrigações legais de entrega de obra conforme normas da ABNT e desempenho esperado.
Por isso, recomenda-se alinhar cuidadosamente o material publicitário ao memorial descritivo, utilizar linguagem precisa, comprovar tecnicamente os diferenciais prometidos e revisar os termos com apoio jurídico especializado.
A credibilidade no mercado é construída também pela consistência entre o que se promete e o que se entrega.
Usar “alto padrão” atrai o cliente, mas também eleva o seu risco jurídico. A expressão só deve ser empregada quando a obra, de fato, satisfaz os requisitos técnicos e de conforto que a lei e a ABNT associam a esse patamar.
Este artigo tem caráter opinativo e informativo, baseado em experiência profissional e análise de caso real, com os devidos cuidados para preservação da identidade das partes envolvidas.
As opiniões aqui expressas não substituem consulta jurídica ou técnica específica. As informações não representam recomendação direta de conduta e devem ser avaliadas conforme o contexto de cada situação. O texto não tem a intenção de desqualificar profissionais ou instituições, mas de fomentar reflexão crítica sobre a prática jurídica e técnica no setor da construção civil.
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